Sentimento Crônico

Cheio de prosa! Poesia, vide verso!

Textos



Amiga é para essas coisas


 
          Berenice caminhava ao lado Juliana, sua melhor amiga. Iam elas pelas calçadas vasculhando vitrines com os olhos e comentando sobre as trivialidades da vida. Papo vem, papo vai, inadvertidamente, entre os comentários do último capítulo da novela e a recomendação de uma doceira que fazia quitutes “divinos”, Berenice deixou escapar:

-                   Ando preocupada. Atílio está meio para baixo ultimamente. Suspeita que estão querendo lhe puxar o tapete no trabalho. Mas, sabe como é homem, né? Não se expõe e, por mais que eu me ofereça para lhe dar apoio, ele não me procura nunca. Prefere sofrer mantendo sua dor em segredo. Eu até recomendei que ele procurasse uma psicóloga amiga minha, mas ele fez de conta que nem ouviu.

-                   Ah! Não esquente! Homem é tudo igual! – respondeu Juliana e, em seguida, já foi mudando de assunto.

          Os temas da conversa, a partir de então, foram se atropelando e se amontoando e, umas duas horas depois, quando elas julgaram que já estavam com a conversa minimamente em dia, voltaram para suas respectivas casas.


          Juliana, ao chegar em casa, conferiu as mensagens em sua caixa postal telefônica e descobriu que Adriana havia ligado. Ato contínuo, retornou a ligação para sua amiga e uma nova bateria de conversas foi disparada. Entre um assunto e outro, Juliana colocou Adriana a par das últimas notícias:

-                   Dri! Já ía me esquecendo. Fiquei sabendo que o marido da Berenice está com o moral baixo e, por mais que ela se ofereça, ele não a procura de jeito nenhum. Acho que ele vai até a uma médica, que é amiga dela...

          Mais uma vez, assuntos e assuntos foram trocados entre amigas. Dessa vez por menos tempo. Nem por uma hora; só cinquenta oito minuto!


          O dia seguinte era aquele que Adriana havia agendado para ir à depilação. Lá chegando, enquanto explicava pela milésima vez que não queria tirar tudo, já que fazia questão que algum tufinho fosse deixado, disse a Carminha, sua depiladora:

-                   Para você ver como são as coisas. Eu aqui preocupada em agradar meu marido, que não me dá sossego e vive me catando pelos cantos e a coitada da Berenice passando um aperto danado. O marido dela já não a procura porque está com o negócio para baixo. Ele até já procurou uma médica amiga dela que, pelo jeito, tem solução para o problema.

          Carminha ouviu aquilo e muito mais, já que Adriana a informou sobre a situação do casamento de todas as suas amigas que, em boa parte, também faziam depilação por lá. Terminado o serviço, Adriana foi-se embora e cedeu o lugar para a próxima do dia, isto é Neide, a quem ela cumprimentou muito rapidamente enquanto saía.


          Neide se aprontou e se acomodou para colocar-se aos cuidados de Carminha que, por sua vez, logo já foi despejando:

-                   Não sei se essa moça que saiu é sua amiga ou não, mas – Deus me livre! – tem uma linguinha afiada para falar da vida alheia. Eu passo o dia aqui e ouço cada coisa, mas guardo tudo para mim. Odeio fofocas!

-                   Nossa! – espantou-se Neide – que foi que ela lhe disse de tão horrível assim?

-                   Não diga a ninguém, por favor. Mas o marido de Berenice não quer saber mais dela e diz que isso é porque o negócio não tem mais disposição para levantar. Contudo, fiquei sabendo que o safado resolve o “problema” dele – e muito bem! – com uma outra mulher que, aliás, é amiga dela. Coitada!

          Algum tempo depois, concluída a sessão de depilação, Neide foi ao shopping encontrar-se com Dona Laura, sua mãe. Lá chegando, as duas saíram procurando um par de sandalinhas que Dona Laura vira meses antes e não se lembrava onde. Conversa daqui, comenta dali, Neide acabou soltando o assunto para sua mãe:

-                   Mãe, fiquei sabendo de um negócio muito chato. A Berenice está sendo corneada pelo marido e, pior, com uma amiga dela. Não sei se devo ou não contar para ela.

-                   Deixe quieto, minha filha. Não se meta em assuntos de casal. Ouça o que sua mãe lhe diz.

          Neide obedeceu à mãe. Contudo, Dona Laura, uma mulher vivida e madura, do alto de sua sabedoria achou melhor que o impasse fosse resolvido por alguém mais próximo a Berenice. Assim, chegando em casa, sem que a filha notasse, telefonou para Juliana, pois sabia ser a melhor amiga de Berenice:

-                   Alô! Juliana? É Laura quem fala. Como vai minha jovem? – do outro lado da linha Juliana respondeu com surpresa, mas Laura prosseguiu – Olhe, estou ligando para falar de um assunto muito delicado. Sei que você é amicíssima  de Berenice e anda correndo por aí que o marido dela a está traindo e com uma mulher que é amiga dela. Minha filha queria contar, mas eu achei melhor que alguém próximo a ela resolvesse se isso deve ou não ser feito. Está todo mundo falando e, mais cedo ou mais tarde, a coitada há de saber.

-                   Pode deixar comigo, Dona Laura! – disse Juliana em tom indignado – Eu mesma conto para ela – despediu-se e desligou o telefone.

          Naquela mesma noite, Juliana foi fazer uma visita surpresa a Berenice. A amiga estranhou ao vê-la chegando àquelas horas. Ao notar o tom sóbrio e consternado que ela trazia na face, foi logo pedindo que lhe dissesse o que havia ocorrido.

-                   Berenice, minha querida! – disse cochichando, enquanto olhava em volta para ver se Atílio não estava por perto – Você sabe que sou sua melhor amiga e, então, há coisas que a gente não pode deixar de fazer, por desagradáveis que sejam. Mas amiga é para essas coisas! Tenho algo para lhe contar...

                                         .oOo.                                       
OBED DE FARIA JUNIOR
Enviado por OBED DE FARIA JUNIOR em 09/01/2010
Alterado em 29/09/2010


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