Sentimento Crônico

Cheio de prosa! Poesia, vide verso!

Textos


 

Discutindo a relação



Claudionor sabia que estava atrasado. Apertava insistentemente o botão de chamada do elevador, como se a repetição dos toques fosse acelerar sua descida. Enfim, a luz piscou, o alerta sonoro ressoou e a porta se abriu. Assim, lá foi ele em direção ao último andar que era seu destino. Durante o curto trajeto, ainda fez caras e bocas para a parede espelhada existente lá dentro. Depois, arrependeu-se, porque as câmeras de segurança deveriam estar reproduzindo suas micagens no monitor do circuito interno instalado na portaria. “O que o porteiro iria pensar?”, refletiu ele se sentindo completamente ridículo.

Ainda rindo de si mesmo, abriu a porta do apartamento de forma quase abrupta e, como sempre, jogou o paletó sobre o sofá e dirigiu-se à cozinha. Lá deveria estar Luzia a sua espera. E, de fato, lá ela estava, preparando algo à beira do fogão. Ele chegou-se a ela e fez-lhe um leve afago nos cabelos. Ela virou-se e fitou-o com um olhar severo.

Clau, precisamos conversar – disse ela em tom ostensivamente sóbrio.

Ah! Lu! Não me venha com coisas amargas, hoje – retrucou ele em tom irônico – Estou precisando relaxar e, a não ser que seja um caso de vida ou morte, é melhor deixar qualquer conversa mais pesada para outra hora.

Para você, eu não sei, mas para mim, é caso de vida ou morte, sim. Nossa relação não anda nada bem e, se não podemos discuti-la, ela pode caminhar rapidamente para um desfecho trágico. – disse ela arfante e com os dentes cerrados, numa quase ira.

Pelo amor de Deus! Justo hoje você resolveu discutir a relação? Ora! Tenha a santa paciência! Me poupe, por favor! – devolveu ele enquanto afastava-se daquele ar sombrio que ela exalava.

Não! Não senhor! Hoje o senhor não vai fugir desta discussão! – disse ela em tom mais do que autoritário – É melhor você ir sentando aí, porque tenho muito a dizer.

Tentando evitar maiores problemas e imaginando que aquilo terminaria mais rápido se começasse logo, Claudionor sentou-se à mesa, apoiou o queixo sobre os punhos e passou a fitá-la com a expressão mais indiferente que pode simular. Mesmo assim, Luzia começou a desferir seus argumentos.

Você sabe o que quer dizer vínculo? Você tem noção do que seja zelar por uma relação a dois? Tem, por acaso, uma leve idéia de que uma mulher precisa de respeito, atenção e carinho? Sabe, afinal, os limites que um relacionamento realmente sério possui? – desembestou ela a inquiri-lo em tom intimidador.

Claudionor, sem tirar os olhos dela, esboçou um sorriso irônico, o que a fez ficar mais enfurecida ainda. Porém, não esboçou resposta.

Sabe? Estou cansada disso tudo! Não era isso que eu sonhava para nós... – disse ela dando a entender que aquela conversa iria longe, muito longe ainda.

- Lu! Pode parar, tá! Nem vem que não tem! Não vou cair nessa de ficar me defendendo de coisas que você encasquetou na cabeça. O que você imaginou ou deixou de imaginar não tem nada a ver comigo. Só sei o que é dito; o que é pensado dependeria de telepatia e eu ainda não desenvolvi esse dom. Portanto, se algo lhe frustra é porque você fomentou por conta própria expectativas que eu nunca fiz nada para alimentar – disse ele em tom definitivo e levantando-se para dirigir-se à porta.

Aonde o senhor pensa que vai? É assim? Diz o que quer e sai correndo? Pode voltar aqui, agora mesmo! – comandou Luzia.

Não vai dar! Sinto muito! Para ouvir essas baboseiras eu teria ficado em casa com minha mulher. Aliás, Dona Madalena deve estar se perguntando onde estou e, então, é para lá que eu vou. Conversa chata, por conversa chata, eu fico em casa. Tchau! – disse ele sem olhar para trás e, pegando de volta seu paletó, pôs-se porta afora.

Já no corredor, Claudionor sacou do celular e, antes mesmo de chegar à porta do elevador, iniciou nova conversa.

Alô! Clarice?... Oi, querida! Esta noite a patroa me deu uma folga e sobrou um tempinho livre. Que tal sairmos para tomar alguma coisa e...

A conversa prosseguiu animada com ele já dentro do elevador. Provavelmente, Clarice não iria recusar o convite. Se recusasse, certamente haveria outras que não desperdiçariam a chance nascida da “folga” que Dona Madalena proporcionara.

Madalena, por sua vez, há muito tempo já não ficava mais esperando Claudionor chegar cedo em casa. Quanto a Luzia, ficou sozinha discutindo a relação com as paredes e perguntando-se porque os homens não prestam.

Por que será?!... – balbuciou ela, antes de dormir chorando no sofá.


                                               .oOo.                                      

OBED DE FARIA JUNIOR
Enviado por OBED DE FARIA JUNIOR em 14/10/2009
Alterado em 22/10/2009


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