Sentimento Crônico

Cheio de prosa! Poesia, vide verso!

Textos



Marcas da vida 

 

          Havia uma menina que morava em uma casa em cuja frente estendia-se um vasto quintal. De um lado, havia um velho carvalho, frondoso e imponente que abrigava sob si uma relva verde e belas flores silvestres. De outro lado, havia um grande toco de outro carvalho que outrora existira e em seu redor só havia um terreno árido e sem vida.


          Certa feita, olhando sobre o toco seco, a criança notou que o tempo traçou desenhos únicos, que indicavam a evolução do que fora a antiga árvore. Os traços mostravam o crescimento da planta ao longo dos anos, com nós que se acumulavam em camadas, ora mais finas, ora mais espessas. Alguém lhe explicou, depois, que os nós finos indicavam as épocas de estiagem e os outros as de fartura d'água. Os contornos que os delineavam eram os indícios das cascas que cobriram a árvore em cada época.


          Deslumbrada com a descoberta de que o tempo deixava marcas tão evidentes da existência e que traziam à luz segredos ancestrais que de outra forma jazeriam velados eternamente, a garota foi sentar-se sob a sombra do vistoso carvalho que ainda remanescia do lado oposto do terreno.


          Ali ficou, durante algum tempo, imaginando se a árvore que estava à sua frente teria, da mesma forma, enfrentado as oscilações do tempo com reações idênticas àquelas da que agora era só um toco seco. Imaginou e conjecturou atiçando sua própria curiosidade até que aquilo se tornasse uma obsessão. 


          A menina cresceu e tornou-se mulher feita sem, contudo, deixar de trazer dentro de si aquela sensação intrigante a respeito do carvalho em seu quintal. Enfim, chegou um tempo onde ela não resistiu mais à idéia de descobrir como havia sido a vida daquele carvalho que enfeitava sua casa.

          Decidida e caprichosa, mandou ela que serrassem a árvore para que ela pudesse, afinal, ver-lhe os nós e desvendar as marcas que a existência lhe havia deixado. Então, ela descobriu que os contornos eram diferentes, mas os nós eram semelhantes. Cada árvore é única em sua apresentação externa, mas cresce igual a todas de sua espécie, porque sua natureza provoca reações idênticas.

          Satisfeita a curiosidade da moça, ela sentiu-se, por algum tempo, mais sábia, porque notou que as pessoas, assim como as árvores, apresentam formas diferentes ao longo do tempo, mas a vida marca todo mundo da mesmíssima forma, sem distinção, porque é da natureza humana sorrir e chorar em face das circunstâncias boas ou ruins que tangenciam a existência.


          Tudo isso seria muito lindo se hoje seu quintal não estivesse totalmente seco, sem relva e sem flores, abrigando somente dois tocos de árvores.


                                             .oOo.                                    
OBED DE FARIA JUNIOR
Enviado por OBED DE FARIA JUNIOR em 17/09/2009
Alterado em 18/09/2009


Comentários

Site do Escritor criado por Recanto das Letras