Sentimento Crônico

Cheio de prosa! Poesia, vide verso!

Textos


Jornada inacabada
 
          Cheguei a este mundo por obra e graça dos serviços de uma parteira, porque minha mãe pariu-me em casa. Abençoada seja essa parteira, onde quer que esteja, porque o parto foi difícil, conforme os relatos que ouvi das bocas de quem presenciou o evento. Sobre isso, minha avó dizia, minha tia dizia e, é claro, minha mãe também dizia. Aliás, esta ainda diz!

          Aquela casa foi o primeiro cenário em que despontei na minha atuação de vida. E ali fui criado até ficar mocinho e ir cuidar do meu futuro - este daqui, que nem de longe se parece com aquele que eu, então, ambicionava.


          Tenho lembranças daquele lugar. Para ser bem sincero, minha infância pouco pode contar sobre a rua, a vizinhança ou o bairro. Minha mãe teve por regra criar seus filhos portão adentro e saídas para fora da segurança do santo reduto do lar, somente acompanhado ou quando não desse mais para segurar a cria sob as asas.


          Não lembro metragens, limites, tipos de edificação e outros adereços informativos que dão feição aos imóveis nos títulos de propriedade. Para mim, criança que era, o lugar sempre foi enorme e isso me bastava.


          A casa era simples e tinha aqueles contornos que as casas de antigamente tinham, pois iam crescendo com o tempo, conforme as características do terreno assim o permitissem e de acordo com a conveniência dos ramos da árvore genealógica, que naquela época, costumava ser algo que brotava bem mais que hoje.


          Na parte de trás havia um quintal. O que o registro da lembrança me mostra é um terreno imenso, com horta cheia de pés de tomate, rúcula e almeirão. Também havia goiabeira, caquizeiro, abacateiro, ameixeira e mais alguma árvore que, por nunca ter dado frutos, eu jamais descobri do que fosse. Meu balanço era feito de rotas cordas amarradas num dos galhos da goiabeira. Entre o caquizeiro e a cerca fiz muitos gols com minhas bolas de borracha.


          Ali, naquele quintal, dei muitas voltas em torno do mundo sobre meu triciclo. Ali, também, chorei as primeiras mágoas que tive na vida e que nasceram de palmadas em meu traseiro. Foi naquele lugar que destruí formigueiros, enterrei passarinhos caídos dos ninhos e descobri como o vento, a chuva e o pé descalço no chão de terra podem dar muito prazer.


          Hoje, sinto que não explorei aquele quintal o tanto que eu gostaria. Se pudesse, voltaria naquele tempo e lugar para terminar aquela jornada de menino que, depois que cresceu, acabou se esquecendo, em boa parte, de como ser criança. 


          Aquela jornada inacabada, talvez, nunca chegasse ao fim porque na imaginação de um menino não existem fronteiras intransponíveis. Só depois que a gente cresce é que começa a acreditar que existe o impossível.

OBED DE FARIA JUNIOR
Enviado por OBED DE FARIA JUNIOR em 24/04/2009
Alterado em 02/09/2009


Comentários

Site do Escritor criado por Recanto das Letras