Sentimento Crônico

Cheio de prosa! Poesia, vide verso!

Textos


Hino dos "ficantes" 

Vinícius de Moraes, há quase setenta anos, jamais poderia imaginar que um soneto seu pudesse atravessar os tempos como aconteceu com o "Soneto de fidelidade". É bem verdade que seus versos se tornaram muito mais conhecidos ao terem sido declamados pelo próprio Vinícius na célebre gravação da música "Eu sei que vou te amar", na voz de Maria Creuza.

Qualquer brasileiro minimamente informado já leu ou ouviu a famosa citação sobre o amor, que proclama "que seja eterno enquanto dure". É certo que o verso original fala em "que seja infinito enquanto dure". Mas dá na mesma.

Vinícius, como todo artista de estirpe boêmia, era dono de uma picardia mordaz e cheia de ironias. Note-se que, enquanto a letra da música diz "eu sei que vou te amar por toda minha vida", o poema que é declamado menciona que o amor "seja infinito enquanto dure".

Não há dúvidas que lá no Estoril, em Portugal, nos idos de outubro de 1939, quando o poema foi escrito, Vinícius nem concebia que uma relação afetiva pudesse durar apenas alguns poucos minutos. Aquele "enquanto dure" que ele enaltecia, possuía um tempo bem mais elástico necessário para a atração, flerte, sedução, conquista, alguma convivência, decepção ou enfado e, obviamente, descarte.

As duas primeiras estrofes do "Soneto de fidelidade" são verdadeira elegia a um amor profundo e de entrega plena; absolutamente incontestável. Contudo, na seqüência, o poeta deixa clara sua visão de que a solidão é inevitavelmente o fim de quem ama. Ou seja, que todo amor é fadado a ter um fim. A única ressalva é de que a morte pode chegar antes disso.

Assim, o "Soneto de fidelidade" é, sem dúvida, uma grande ironia, já que prega muita coisa sobre o amor, menos a fidelidade ao vínculo amoroso. A sugestão do poeta - até para justificar sua vida amorosa totalmente desregrada - é de que um amor deva ser vivido como se fosse o único e para sempre, a despeito de saber-se que será trocado tão logo um outro mais interessante se apresente.

Pois é! Isso tudo já tem quase setenta anos. Vinícius foi um visionário, precursor do "ficar". E os "ficantes" poderiam, muito bem, assumir o "Soneto de Fidelidade" como seu hino oficial. Afinal, para eles todo amor é infinito enquanto dura, mesmo que seja pelo curto espaço de, no mínimo, um "amasso" ou de, no máximo, um orgasmo. 

OBED DE FARIA JUNIOR
Enviado por OBED DE FARIA JUNIOR em 17/11/2008
Alterado em 04/09/2009


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