Sentimento Crônico

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A lâmpada e as mariposas


          Era uma vez uma lâmpada delicada e muito, mas muito luminosa. Desde que deu-se conta de que seu brilho a destacava dentre os demais, passou a viver feliz pelo encanto que essa sua luminosidade despertava à sua volta.   


          Num certo tempo, a lâmpada conheceu um abajur. E pensou consigo mesma: “Eis aí meu par ideal!”. Sim, porque o abajur lhe daria suporte e destaque, faria com que sua natureza luminosa tivesse algum sentido prático. Ele poria contornos de consequência numa vida, até então, sem grandes perspectivas, a não ser as de luzir em vão.


          Contudo, o tempo foi passando e a lâmpada notou que, na verdade, o abajur tolhia sua luminosidade; quebrava boa parte de seu encanto. Ela percebeu que mais servia ela de sentido ao abajur do que o contrário. E o abajur, que durante tanto tempo a acolheu, foi sumariamente descartado. Ela preferiu instalar-se só, imperando luminosa no centro de um teto qualquer.


          Agora, madura e posta num lugar mais visível, a lâmpada definitivamente sentia-se realizada. Isso porque, a partir de um certo momento, as mariposas passaram a lhe rodear. Pobres mariposas! Reféns de seu apelo instintivo, não podiam evitar seu fascínio pela luz e, numa disputa frenética, trombavam-se no intento de chegar mais próximas daquele brilho.


          A lâmpada, por sua vez, assumia-se régia e poderosa. Afinal, agora sim, poderia usufruir da merecida recompensa pela luz que emanava. Sem o abajur a lhe impor limites, ela se regozijava pelo assédio incessante das mariposas. E vinha uma e depois outra e depois mais outra... Quanto mais as mariposas se chegavam, tanto mais a vaidade da lâmpada crescia.


          Entretanto, como tudo nesta vida, a lâmpada também viu o tempo exercer seus efeitos inexoráveis. E assim foi que o brilho que emanava passou a não ser tão exuberante e, com isso, os assédios das mariposas foram diminuindo. Chegou um momento em que só aquelas mariposas combalidas, que já não conseguiam disputar espaços em outras luzes, é que lhe chegavam perto. Mesmo assim, a lâmpada ainda nutria enorme orgulho por seus encantos.


          Até que chegou a época em que a lâmpada, enfim, apagou-se. E nesse estado, sentiu-se solitária. Buscou à sua volta algum sentido para sua existência. Contudo, foi só então que notou espalhados no chão à sua volta os corpos inertes de todas as mariposas que extinguiram-se incineradas por sua soberba luminosa.


          Triste fim foi o da lâmpada. Nesse ponto é que ela deu-se conta que o abajur jamais a limitara, simplesmente, quis protegê-la de sua própria sina, filtrando o que havia de nocivo naquele brilho. 


          Então, quando viu-se sozinha e abandonada é que a lâmpada notou que a luz que emanava tanto fascínio não distribuía doces encantos, mas sim, amargura e destruição. Aquele brilho que alimentou sua vaidade por tanto tempo, mostrou-se algo deletério que, ao invés de orgulho, a encheu de vergonha e remorso. 

OBED DE FARIA JUNIOR
Enviado por OBED DE FARIA JUNIOR em 17/11/2008
Alterado em 03/09/2009
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