Sentimento Crônico

Cheio de prosa! Poesia, vide verso!

Textos


POESIA NÃO SE APRENDE; SE DESCOBRE!

 

 

 

Penso que irei tratar do óbvio, aqui.  Contudo, é melhor dizer algo do que nada dizer (a não ser que seja uma bobagem tremenda - daí, é melhor ficar calado e, talvez, eu esteja perdendo uma enorme oportunidade de fazer exatamente isso!).


Aqui e acolá já vi esforços vãos de tentar explicar a diferença entre poesia e poema.  Poema é a poesia em forma escrita. O poeta, essencialmente, cria poemas. Contudo, o poeta, no sentido amplo da palavra, convive, respira, enxerga, transborda... poesia.  Meu professor de sonetos, Paulo Camelo, expressa muito bem quando diz que poesia é "sentimento".


Em síntese, parece que é isso mesmo.  Poesia é uma expressão qualquer que dê conta de um sentimento.  Porém, não de uma forma qualquer.  Alguém pode dizer: "estou de saco cheio!".  Sem dúvida é uma expressão de sentimento, contudo, não passa nem de longe pelo que seja poesia.


Assim, penso eu, a poesia é uma manifestação humana que busca exteriorizar algo que toque lá no fundo (às vezes na superfície, também) aquilo que se chama de alma, espírito... a parcela não física de nossa essência, enfim.


A mímica é expressão corporal que tenta passar uma idéia sem o uso de palavras, apenas por gestos. O balé, por outro lado, apesar de estar intimamente ligado à mímica, é poesia. Através do som pode-se expressar não só idéias como, também, intenções.  Aplausos e vaias são sons que, sem palavras, exprimem alguma coisa, sem dúvida.  A música, é poesia. Palavras, da mesma forma, representam essencialmente a manifestação de idéias e intenções; são a forma básica de comunicação humana.  Um poema, é poesia.


Conheci um sujeito que era contador.  Ele passava seus dias entre débitos e créditos.  Gostava de futebol, mulher e samba.  Um brasileiro típico.  Teve uma formação básica, possuía uma inteligência mediana e não demonstrava nenhum talento fabuloso para nada em especial. Em certa época de sua vida, ele foi pai.  Não interessam as circunstâncias.


Um dia, passava ele por um cômodo qualquer de sua casa quando seu filho, então com alguns meses de idade, olhou para ele e disse, pela primeira vez: "papai".  O homem ficou paralisado.  Foi tomado por uma onda de sensações que o fizeram estremecer.  Uma lágrima insinuou-se, porém ficou contida junto com o nó na garganta que foi engolido em seco.


Horas depois, ele encontrou-se comigo e relatou o que havia ocorrido, sem conseguir dizer com clareza o que de fato sentia.  Falou e falou.  Pôs pra fora um monte de coisas e... não conseguia, mesmo assim, serenar o que lhe passava no imo.  De repente, naquela avalanche de falas sem pé nem cabeça, ele deixou escapar algumas frases: "Só agora dei-me conta que eu existo.  Eu amo aquele menino. Descobri, até que enfim, o que é o amor."


Eu pedi que ele repetisse essas últimas palavras. E que o fizesse pausadamente.  E, ainda, sugeri que ele escrevesse isso num pedaço de papel e colasse no tampo de sua mesa de trabalho.  Parece que funcionou, porque ele, dias depois, dizia-se bem acomodado em si mesmo. Ele descobriu o que é poesia!  E, além dos débitos e créditos que recheavam sua escrivaninha, jamais chegou a escrever um poema. 


E você, caro colega amante das letras?  Por certo, a seu próprio modo, já desenvolveu a capacidade de escrever poemas.  Mas, será que já descobriu a poesia?

 

Ora! Poesia é poesia!  Comporta variações infinitas e, obviamente, ninguém nega isso.

Contudo, nem tudo que se expressa em palavras é poético.  Ou será que alguém pode negar isso?

Insisto em meu ponto de vista que um texto meramente descritivo, com palavras afetadas não é, justamente, o que se possa qualificar como algo poético (quiçá, tenha algum valor artístico).

Imagine que se tome um anúncio classificado bem descritivo:  "Aluga-se apartamento de dois dormitórios, uma vaga de garagem."  Reestruturemos a apresentação gráfica das palavras e teríamos:

"Aluga-se apartamento
de dois dormitórios,
uma vaga de garagem."


Certamente que eu posso chamar isso do que eu quiser: poetrix, terceto, trova, soneto, elegia, ode...  Nada disso irá torná-lo um poema.

Pode-se, também, acrescentar algumas variações interessantes, como:

"Entrego com tristeza um apartamento,
com dois dormitórios sem amor
e uma vaga de garagem cheia de saudade."


E daí?  Agora isso é um poema?  Dentro de algum outro contexto em que esse trecho estivesse inserido, talvez o fosse.  Na forma como está, posso arriscar dizer que certamente não o é.

 

Deixo bem claro que, se alguém quiser, pode achar que até bula de remédio é poesia - e eu não posso discutir. 


Apenas, o que estou querendo dizer é o seguinte:


Há textos que são poesia e há textos que não são poesia.  Há características intrínsecas e extrínsecas que qualificam o que seja um poema.  Ou seja, é uma relação entre conteúdo e forma.


Outro dia, fui à Pinacoteca do Estado, aqui em São Paulo, e vi um quadro que era uma tela simplesmente pintada de negro.  Literalmente, um pano tingido de preto e preso numa moldura, nada mais!  Sob o quadro havia uma descrição qualquer sobre o sentido da obra e as motivações do artista.


Alguém pode dizer que aquilo não é uma obra de arte?   A maioria diria: não.  Eu, como não sou hipócrita, digo: SIIIIIM!!!


Se existiu algum valor artístico naquilo tudo, teve mais a ver com as impressões do artista diante de um nada na escuridão porque, sem o texto explicativo, ninguém se deteria para olhar um pedaço de nada pendurado na parede.


Ou seja, não discuto que no ânimo pessoal de cada um as possibilidades sejam infinitas.  Contudo, é o destinatário da obra artística que é o foco de qualquer criação.  Ninguém cria alguma coisa para deixar sob a cama ou dentro do armário.  Quando o faz pretende - admitindo ou não - que alguém mais tome conhecimento de sua criação.


E quando a "criação" não cria nada - ou quase nada - é esperar demais que o "público" possua dons telepáticos para decifrar o que ia n´alma do artista.


Portanto, voltando ao tema:


-  um texto meramente descritivo é prosa e não poesia.  Pode-se empilhar as frases umas sobre as outras e chamá-las de versos.  Continuará, assim mesmo, sendo prosa. 


- a arte poética pressupõe algum rasgo de sensibilidade que ultrapasse os chavões de frases ou vocábulos melosos.  Isso é um falso lirismo.  É "afetação gratuita".


- criar é acrescentar algo e não meramente reproduzir o que já existe.  Descrever uma imagem é traduzir em palavras o que as figuras demonstram.  Se for uma descrição singela e sem nada mais que valorize a visão particular do artista, pode ser qualquer coisa, menos poesia, porque nada foi criado.


Espero ter dado uma "vaga"  noção de meu ponto de vista.


Obviamente, qualquer um pode pensar diferente, como também pode jurar que existe o coelhinho da páscoa, né?

 

OBED DE FARIA JUNIOR
Enviado por OBED DE FARIA JUNIOR em 17/11/2008
Alterado em 07/04/2010


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