Sentimento Crônico

Cheio de prosa! Poesia, vide verso!

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Já que é assim...      (EC)
 

          Antenor quebrara o maior pau com a patroa. Ele esperava há meses por um fim de semana em que pudesse ir pescar e, justo naquele em que tudo já havia sido programado fazia mais de dez dias, ela resolvera ir visitar a mãe e lá passar uns dias. O problema não era a viagem dela, em si, mas o fato de que Hulk e Zaratustra não poderiam ser deixados sozinhos e sem cuidados. Afinal, alguém teria de ficar para tomar conta do cachorro e do papagaio.


          Porém, ele não se fez de rogado. Ainda era noite de sexta-feira quando juntou suas tralhas de pesca, enfiou tudo no porta-malas do carro, mais a bebida e os mantimentos. Sem pestanejar, acomodou Hulk e Zaratustra no banco de trás do automóvel e, assim, foram todos para a tão esperada pescaria. E a mulher que fosse para a santa que a pariu.


          Ele chegou no local onde sempre pescava ainda de madrugada e lá, entre o matagal e o barranco, ajeitou suas coisas e pôs os animais à vontade. Ajustou sua vara, soltou o molinete e lançou a linha nas águas escuras do ribeirão. Agora, era só esperar que aquela isca milagrosa pinçada no anzol fizesse o resto do serviço. Os peixes deveriam começar a brotar logo, logo.


          Entretanto, quando o dia já estava amanhecendo, ele ainda não havia pescado nada! Zaratustra, de vez em quando, soltava lá alguma palavrinha – que não era de consolo. Hulk limitou-se a deitar-se ao lado do dono e ali ficar cochilando, reflexo da pouca animação do pescador visivelmente frustrado.


          O sol já ia alto no céu, quando chegaram outros dois pescadores, à toda evidência, amigos entre si, posto que aproximaram-se e acomodaram-se alguns metros margem acima em meio a animada conversa. Um dizia a respeito dos enormes peixes que pegara por ali outrora. O outro, obviamente, contava sobre o produto de sua pesca, que gerara peixes muito maiores. Emendando uma resposta, o primeiro retrucou mencionando a enorme quantidade de peixes que dali levara certa vez. Não ficando para trás, o outro contou de uma quantidade maior ainda, que também pescara certa feita.


          Os dois homens, de longe, cumprimentaram cordialmente a Antenor. E, enquanto se instalavam, continuaram durante uns trinta ou quarenta minutos, contando vantagens cada vez maiores, no afã de superarem as façanhas um do outro.


          Antenor a tudo ouvia e não dizia nada. Na verdade, estava muito preocupado porque não tinha pego nem um peixinho que pudesse minimamente se contrapor às mirabolantes proezas daqueles dois que ali chegaram. Já imaginava o que iria acontecer quando puxassem conversa e lhe perguntassem como ia sua pescaria.


          Dito e feito! 


– E então, companheiro?! – perguntou um dos homens a Antenor – Como vão as coisas por aí?


– Bem! – respondeu ele num lacônico ranger de dentes.


– Você costuma sempre vir aqui? – indagou o outro dos homens.


– Vez por outra eu venho – respondeu Antenor sem vontade de que aquela conversa continuasse.


– Quantos peixes você já pegou hoje? – fez a fatídica pergunta o primeiro dos sujeitos.


– Nenhum! – devolveu Antenor, mal dirigindo o olhar para eles.


          Os dois homens entreolharam-se com risinhos e resmungos de deboche.
Antenor, então, começou a afagar Hulk, enquanto dava algumas sementes de girassol para Zaratustra.

– Pelo jeito, você trouxe a família inteira pra pescar – lançou como gozação um dos outros pescadores.

          Antenor pensou muito nas quantidades e tamanhos dos peixes que aqueles homens disseram ter pescado e, pensando consigo mesmo, imaginou : “Já que é assim...”


– Olha! É verdade que não pesquei nenhum peixe. Até agora, só consegui puxar desse ribeirão este cachorro e este papagaio. Tô muito curioso pra ver o que virá depois!

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Este texto faz parte do Exercício Criativo “Conversa de pescador”
Saiba mais e conheça os outros textos, acessando:
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Enviado por OBED DE FARIA JUNIOR em 13/07/2009




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